terça-feira, 31 de agosto de 2010

O porquê deste blog e o problema do jornalismo com as novas mídias

Eu me sinto, fundamentalmente, frustrado com a minha vida profissional. Saindo do emprego horrível que eu tenho no tribunal, optei por seguir uma carreira em que somos tratados como trabalhadores de segunda classe, e agora fico assustado só de pensar que tem todo um mundo aí fora cheio de possibilidades e de perigos.

O que me motiva a continuar nessa área é a idéia de que TODO MUNDO PRECISA SE COMUNICAR. Todo mundo precisa de informação. Acima de tudo, todo mundo precisa falar com os outros para aprender, e também precisam de alguém que diga “você deveria saber disso, é importante”. Se isso não é jornalismo, eu não sei o que é. 

A diferença é que antes algumas pessoas tinham o direito de fazer isso em transmissão. As pessoas se acomodavam porque era mais fácil ouvir do falar. A barreira da tecnologia e econômica para transmitir sua idéia era imensa. Um belo dia, inventaram a internet. E aí todo mundo pôde falar tudo o que queria para o mundo e a coisa virou uma zona. No final das contas, o jornalista não era o cara que informava o povo. Era o cara que TINHA O DIREITO de informar o povo. Depois da internet, informar deixou de ser profissão.

Isso não quer dizer que eu concorde com idéia mal-amada de que a internet estragou o jornalismo. Seria utópico se não fosse real: remover todas as barreiras entre as pessoas, abrir o diálogo para todos. Mesmo assim, foi essa a nossa ruína como categoria profissional.

Talvez o erro já estivesse lá. Talvez fosse uma questão de tempo antes que alguém percebesse que os jornalistas estavam monopolizando o microfone, fodendo com a comunicação democrática, poluindo as ondas com suas opiniões. Talvez tenha sido boa essa perda de persuasão do jornalista, porque a violência da comunicação unilateral é uma arrogância silenciosa.

Uma coisa, porém, ainda me deixa indignado. Nessa onda de desvalorizar quem vivia de produzir informação, o que acabou perdendo valor foi a própria informação. Informação deixou de ser necessidade e virou commodity, espalhada pela internet como água pelo oceano. E quem vivia de vender água na beira do mar logo acabou extinto porque as pessoas não são burras: foram elas mesmas atrás da água que precisavam.

As pessoas precisam de informação. De tudo, isso não mudou um centímetro. Deixe um cara sem informação por um dia e ele fica louco. Tudo é informação. O que os seus olhos te mostram. O que seu ouvido te traz. O tato das coisas. As coisas que acontecem ao seu redor. O que os outros te falam. A faixa de pedestres. O metrô chegando. Nós respiramos informação, e 99% dela não passa pelas mãos de um profissional. Como alguém pode pensar em vender informação quando vivemos mergulhados em muito mais dados do que podemos processar? É uma arrogância séria imaginar que as pessoas vão até você porque você oferece a melhor informação. As pessoas vão para a UOL (ou para o G1, ou para o Terra, ou até mesmo para o R7) porque, apesar de toda essa conversa, elas ainda precisam ir para algum lugar. Todos nós queremos que alguém diga que “você deveria saber disso, disso e disso”. E elas entram e a resposta está lá, pronta. Não se trata de nenhum tipo de compra ou contrato explícito, são apenas pessoas que não estão muito a fim de pensar. Pensar dói.

Mesmo assim, se a UOL saísse do ar agora, sabe o que elas fariam? Simplesmente iriam para o Terra. E, a partir daí, a cada dia, ficariam menos propícias a entrar na UOL, mesmo o Terra sendo pior. Porque precisam ir para algum lugar que transmita, com confiança, o que eu deveriam saber, e por quê.

Mas então como tornar viável que as empresas de comunicação paguem para que profissionais criem informação quando já se tem tanta por aí? Criar uma empresa que apenas retransmita informação seria muito cretino porque estaríamos basicamente roubando pesquisa de outros, mais competentes que nós. É bem o caso de certos sites para os quais já trabalhei. Por outro lado, eles têm uma audiência fantástica, que vem justamente pelo fato de terem as notícias do mundo ali.

No final, é isso que importa. O cabra vai entrar em um site X e não no Y porque ele acredita que ali vai encontrar toda a informação de que precisa, de modo simples e eficiente, para que ele possa seguir sua vida e tomar decisões sobre o que importa para ele. Ninguém quer ter que entrar em cinco sites diferentes para descobrir o que está acontecendo. Igualmente, ninguém quer ter que passar 20 minutos olhando por uma lista com 500 tópicos de RSS. Vão morrer antes de terminar, literalmente, já que o volume aumenta sem parar. Na essência, todos querem um site que adivinhe o que eles acreditam ser importante saber, mesmo que eles nunca se pronunciem, e coloque aquilo bem na porta da frente, de um jeito fácil e bonito. Como se fosse uma vitrine, cheia de produtos para quem passa. No final, querem sentir que aprenderam alguma coisa, que a vida tenha ficado um pouco mais rica. Se isso acontecer, talvez voltem. E se acontecer novo, talvez voltem de novo. E se acontecer várias vezes, talvez acrescentem o endereço nos favoritos.

Me sinto emocionalmente cansado falando sobre isso. No fundo, eu não quero ter que pensar nisso. Queria poder apenas pesquisar um assunto e fazer um bom texto e pronto, o mundo abriria as portas para mim. Mas não é o que vai acontecer. Ninguém vai querer saber do meu texto elaborado só porque ele está disponível. O jornalista não pode mais achar que seu trabalho é só produzir conhecimento dos fatos do cotidiano. A internet já faz isso muito melhor do que nós. Os mestres das exatas inventaram um jeito muito mais eficiente de mostrar o dia a dia do mundo: basta fazer com que as pessoas possam, elas mesmas, falar sobre o que acontece. E, muitas vezes, terão mais precisão dos fatos que nós.

Mas o que as pessoas não sabem fazer ainda? Talvez aí esteja a diferença fundamental. Na vida, a gente paga para outras pessoas fazerem aquilo que nós mesmo não sabemos fazer. E o que a maioria das pessoas não sabem fazer? Ficar a par das notícias. A imensa maioria das pessoas sabem exatamente onde encontrar o que querem saber, mas poucas estão dispostas a descobrir o que vale a pena saber. O jornalista novo, mais do que produzir conteúdo, tem que saber transmitir para o público que aquilo que está escrito vale a pena ser lido. Não basta fazer o conteúdo, é preciso mostrar para as pessoas que vale a pena ir atrás daquilo.

Esta é a mudança paradigmática fundamental. Qualquer peão produz conteúdo hoje em dia (sem querer desmerecer os peões, é claro). Mas somente um cientista das efemérides sabe diferenciar e moldar aquilo que vai mudar o dia das pessoas. Ele encontra a notícia. Ele apura a notícia. Ele produz a notícia, pensando um jeito de se apropriar de todas as características multimídia para tornar aquela experiência uma EXPERIÊNCIA EMOCIONAL E INTELECTUALMENTE INFORMATIVA. Isso é muito difícil, e exige muitos anos de treino.

Não vai adiantar ficar fazendo texto. Seremos mal pagos por toda a vida, porque esse é meramente um refinamento de uma habilidade que todos já temos. Para se diferenciar da multidão na produção de informação, vamos ter que convencer o mundo de que somos necessários para a sociedade, de que vale a pena usar nossos serviços como informadores. Para isso, devemos ter muito mais domínio também sobre as FERRAMENTAS informativas à nossa disposição.

Daí a importância deste blog. É preciso que aprendamos como podemos expandir a experiência da informação para atingirmos um número maior de pessoas. Existe um sem-número de questões sem resposta, hoje, esperando que pessoas corajosas indiquem o caminho. [1]Certas pessoas só lêem as notícias que aparecem no MSN Hoje, sabia? Meu irmão, 16, me contou ainda esta semana que sua única fonte de informação jornalística são aqueles links localizados no rodapé do MSN Messenger. De vez em quando, ele clica ali e se aventura pelo conteúdo escrito. [2]Tem gente que só lê o que aparece em RSS. [3]Quase ninguém se deu conta ainda de que notícias também podem viajar por redes sociais. [4]Ninguem se preocupa em tentar promover APIs para o desenvolvimento de ferramentas independentes de auto-replicação de notícias, para que elas atinjam pessoas em outras partes da internet. [5]Ninguem parece se importar com o fato de muitos e-readers e tablets poderem entrar na internet sozinhos. [6]E o que realmente faz a diferença no multimídia? [7]Será que as pessoas se importam com os textos no meio dos vídeos? [8]Ou será que é preciso pensar, caso a caso, como as informações são transmitidas? [9]Os videogames podem transmitir conhecimento? [10]Como se opera os medidores de audiência na internet? [11]Como se monta um site? [12]Como se monta um publicador? [13]Quais são as desvantagens do HTML5 sobre o Flash? [14]Como a Realidade Aumentada pode expandir os limites da narrativa jornalística? [15]Por que o Twitter faz tanto sucesso? [16]O que vem sendo feito de inovador na área de transmissão de conteúdo via internet? [17]Como funciona a internet? [18]Qual é a mentalidade do usuário que está na internet? [19]Será que é possível produzir conteúdos densos pela internet? [20]Como funciona o processo de aprendizado via internet e qual o efeito dessa nova dinâmica sobre o comportamento dos leitores? [21]Vale a pena puxar conteúdo de fora do site? [22]Um site compete com um impresso? [23]Conteúdo para celular gera renda suficiente para justificar investimentos nele? [24]Como posso saber se um conteúdo produzido por mim está sendo bem aceito na internet? [25]Qual a importância de fóruns online para a expansão da voz de uma publicação? [26]Existe diferença na concepção do usuário entre o conteúdo produzido por usuários e por profissionais? [27]Vale a pena investir em redação? [28]Vale a pena investir em conteúdo multimídia pesado? [29]Como aprender com as estatísticas da internet? [30]É preciso saber programar para operar um site? [31]Eu devia aprender HTML? [32]HTML5? [33]CSS? [34]Flash? [35]Java? [36]JavaScript? [37]Ruby? [38]SQL? [39]XML? [40]PHP? [41]Quais são as ferramentas de agregação de conteúdo que funcionam? [42]Qual a real importância da Search Engine Optimization? [43]Qual é o comportamento do usuário brasileiro na internet em relação ao conteúdo disponível? [44]Qual é a tendência da comercialização da internet no Brasil? [45]É preciso entender de design para construir essa “experiência emocional” da informação? [46]Como gerenciar o tempo trabalhando para a internet? [47]É realmente necessário estar sempre 10 minutos à frente da concorrência? [48]Por que não indicar a concorrência e agregar valor indicativo ao invés de fingir que a notícia não existe? [49]É possível produzir um site que transmita confiança sem a infraestrutura que embasaria essa confiança? [50]É possível ir além de jornalismo de releases em sites que vivem a base de publicidade barata? [51]Vale a pena sacrificar cliques por qualidade de conteúdo? [52]Será que não seria melhor usar seções wiki para conteúdo impossível de se manter atualizado, como trapassas em video games ou pontos de acidente de trânsito[53]O que as pessoas preferem: um site com muito conteúdo ou um site com pouco conteúdo, mas bem feito? [54]Como superar o problema de plágio na internet? [55]Existe plágio na internet? [56]Será que a internet vai ser sucedida por outra forma de comunicação? [57]Como aproveitar o conteúdo produzido por usuários sem perder a identidade da redação? [58]Quais são as ferramentas de feedback disponíveis? [59]Como o feedback dos usuários pode ajudar a melhorar a oferta de conteúdo do site? [60]Existe a necessidade de conversar constantemente com o usuário? [61]Existe fidelização na internet? [62]Se sim, como ela acontece? [63]Como podemos lidar com tudo isso em um tempo viável? [64]Como ganhar dinheiro em cima disso? [65]Como produzir uma pauta já pensando em um conteúdo multimídia? [66]É possível usar QR Code para informar o leitor de alguma coisa? [70]Vale a pena investir em uma rede social interna para o site? [71]Será que as empresas vão ter tanto capital para manter este profissional hiperqualificado?

Quaisquer que sejam as respostas para essas 71 perguntas, o fato é que o verdadeiro jornalista terá que entender cada uma delas se quiser ditar os rumos de próprio trabalho. (E isso porque nem foram mencionados a televisão e o rádio digital, que também terão impactos explosivos em suas áreas.) Todo mundo sabe usar ferramentas prontas para publicar, mas o que separará os jornalistas do produtores de conteúdo comum será a capacidade de usar a informação como matéria prima, e não como produtor final. Teremos que ser capazes de criar EXPERIÊNCIAS INFORMATIVAS se quisermos sobreviver.

Isso não parece justo, já que antigamente nossos colegas só precisavam produzir a informação e deixavam a estetização de lado, mas o acirramento da concorrência com o produtores de conteúdo nos obriga a atingir um novo nível. Para mantermos o terreno - agora que caíram os muros do monopólio dos meios de comunicação - devemos agir como um profissional multidisciplinar. Diferenciar para sobreviver.

Sob toda essa discussão, encontra-se um problema grave: o ensino dado nas universidade ainda é voltado quase exclusivamente para a produção de conteúdo, muito embora todo mundo já o possa fazer sem nunca ter pensado em ser jornalista. Estamos sendo treinados para fazer aquilo que já sabemos fazer. Os professores empurram conteúdo, mas esse conteúdo não nos diferencia profissionalmente dos blogueiros. Toda a nossa educação tem que ser repensada.

Todos somos pagos para fazer coisas que exigem trabalho especializado, e o jornalista perdeu essa credencial com a internet. Para reconquistarmos isso, devemos encontrar práticas que nos diferenciem da multidão. Somente uma mudança severa nos modos pelos quais somos instruídos e avaliados poderá nos retornar à nossa dignidade devida. Entendendo a produção de conteúdo, o design do conhecimento e programação das plataformas, teremos muito mais condições de valorizar nosso trabalho. E então, deixaremos de ser trabalhadores de segunda classe.

Por tudo isso, o Laboratório da Internet nasceu. Pode parecer apenas mais um blog - e é mesmo, na verdade -, mas é um passo necessário para o estudo do jornalismo. Para todos que quiserem entender como será possível vender informação neste novo século digital, este é apenas o primeiro passo. 

Um comentário:

Fernanda Alcântara disse...

Pare de falar sobre a ruína do jornalismo e comece a construir uma saída de emergência. Me dê soluções, problemas já tenho muitos.

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